23.9.03



A PROPÓSITO

Hoje encontrei um berlinde no saldanha.
Era o mais lindo de todos: brilhava
como uma manhã irrequieta.
Deixei-o estar no mesmo cantinho.
E disse baixinho: agora és meu.

21.9.03



CARTA A UM PESCOÇO ESSENCIAL

Foi nessa tarde que aconteceu ter-me percebido no futuro. Tinha a idade dos pássaros nos dias da poesia amanhecida, tinha as noites nas profundezas das dúvidas arrumadas em personagens incertas. Cuidava dos perigos com carinho, lavado e de barba feita. Viajante de mim.

Estava um dia claro, a luz parecia caída em golfadas lentas, entorpecidas, desmaiadas. O calor não se ouve: é insidioso, pleno de lamúrias. Julgo que tinha sede. Não fora teres-me visto e olhado e te ter visto e percebido que nos víramos a sério, um ao outro, num instante quase demorado, e diria que caía. Assim, fui apenas levando-me sem ter local aonde ir ou assunto que tratar. Tinha-te em mim e só essa visão importava.

Curiosamente foi tudo muito rápido, percebo-o agora. Saltei um pedaço de merda de cão e concentrei nessa impulsão muscular derradeira os esforços das palavras e dos arrepios. Recordo-me de não ter chegado a cair, de não ter chegado a perceber. Penso que adormeci ou me esqueci de viver, nesse segundo. Desde então pairo resolvido nos momentos seguintes aos minutos que ainda não aconteceram, ou então já, não sei bem. É nesse tempo sem tempo que tudo acontece. Abrem-se os olhos e convida-se alguém para dançar. Depois do primeiro beijo, normalmente, surge o transistor do Alba a anunciar sinfonias. Olham-se os olhos que nos olham e brilham e já está.

15.9.03



JOHNNY NATE - party over

Em frente ao silêncio descubro-me nu. Uma única luz envolve a sala que agora tem outra vez música. Começou de repente, muito lentamente, e eu agradeço que assim tenha sido. O Jonhy partyu-se. Ao vê-lo cair e estrebuchar apenas ligeiramente apeteceu-me sorrir. Sorri. Uma mulher de vestido castanho aproximou-se. Já tens companhia para férias? Eu disse-lhe que ia ali e já vinha. Quando vim ela não estava.

4.9.03



JOHNNY NATE - party 4

Café com cheirinho, senhor Jonhy? Que sim, era poeta:

eu agora flutuo nas águas
dos murmúrios essenciais
e fumo nos hiatos de sol
as inteirezas dos demais

eu agora cresço à sombra
do riso das meninas que tais
e permito à vetusta ligeireza
um pedaço de nunca mais

eu agora sossego a argúcia
e não me celebro no lodo do cais
vou e venho ao sabor da minúcia
das únicas palavras vitais




JOHNNY NATE - party 3

Era uma manhã de uma quarta ou quinta e a pastelaria estava preenchida. Adolescentes e velhotes. Olhei em volta. Estaria a falar para mim? Enquanto arrumo o isqueiro percebo que nada seria como antes. O homem já me escolhera. Eu sou o Jonhy, disse. Quero tomar um café contigo e contar-te a minha vida. Não disse absolutamente nada. Fomos.

3.9.03



JOHNNY NATE - party 2

Isto foi o que o gajo me disse depois

não sei se me sinto bem quando faço as coisas bem feitas
como não sei se adoro esta música só porque a adoro
enfim quero mais jardins para poder pracear
têm que ter uns quantos quatro bancos
não sei se me sente se só respire
fundo e olhe o que não vira
e então pronto suspire
que já tá