31.8.03



JOHNNY NATE - party 1

Dia um de Jonhy Nate. Apareceu na minha vida de repente. Um autocarro e uma travagem brusca. Ele era o autocarro. Bem, isto só perceberia mais tarde. Naquele momento era apenas um homem a pedir-me lume. Dei-lhe e..

27.8.03



ACABARAM AS FÉRIAS

Hoje mudei-me para a sala. Instável é uma palavra. Bolinha branca entre a mão e o céu num filme a preto e branco. A branca da bolinha e o branco do filme, em dizeres de sono, estreitam verificações. Ou então intranquilo.

18.8.03



OS DIAS LONGOS

I

Esta história é muito séria. Primeiro porque é verdadeira e incrível e isso, hoje em dia, parece ser muito importante. Depois porque tem a ver com o tempo a andar para trás. Esta é a história do homem de cinquenta e nove anos que decidiu viver um dia de cada vez. É a história dos homens que verificam o peso das coisas. Este, o nosso homem, tinha vontade de ir ao banco.

O que este homem desconhecia, aquilo que afinal todos desconhecíamos, era que as adversidades, montículos de nada em cima de coisa nenhuma, se podiam facilmente ultrapassar. Vai perceber isto mais tarde. Não imaginou nunca foi o verdadeiro alcance do que lhe estava para acontecer. Quando se olhava ao espelho sentia-se relativamente bem.

Aconteceu que cada dia da sua vida, cada dia de novo vivido, passou a ser um dia… a menos. Tal sucedimento não foi imediatamente percepcionado. Os três primeiros anos desde que tomara a decisão de que vos falo, foram os seus melhores anos: “Viver um dia de cada vez”. Não se sentia envelhecer. Aliás, isso nem sequer lhe passava pela cabeça. Continuava com as velhas rugas de sempre, é certo, mas não se lembrava de ter adquirido alguma nova. O estômago, esse órgão tão incomodado e sensível, parecia tolerar melhor alguns excessos. Olhava as folhas do jornal a seguir ao almoço e não adormecia quase de imediato. Só se lhe apetecesse. Andou nisto sem se questionar acerca da sua nova vida. Digo bem: da sua nova vida.

Façamos uma breve apreciação ao dia inicial. No dia dezanove de Julho o nosso homem foi ao banco. Há já seis horas que o tempo invertera a sua ordem natural. Cartão de crédito: Edgar Pereira. Disposição: Boa. No trânsito ouvira Miles Davis. Nem mau tempo nem muita gente na fila. Pensou que era chegada a altura de fazer uma pequena loucura. Há anos que pensava comprar uma casa de férias na praia. Naquele dia, o mesmo em que tudo começou, Edgar iria tratar dos últimos papéis. Cento e cinquenta metros quadrados de um piso só, a cem metros do mar. Ia comprar tempo, costumava dizer aos amigos.

Edgar era um homem muito charmoso. Tinha um nariz relativamente grande e a face perfeitamente adequada ao tamanho de tudo o resto. Também os seus lábios e pele haviam sido comentados na sua juventude, entre as mulheres. Vestia com distinção e algum arrojo, combinação que o demarcava dos demais. Ao atravessar a rua não reparou na ex-mulher, do outro lado da marginal. Não quis saber das horas no momento em que ajeitou o relógio e sorriu. O movimento na passadeira para os peões pareceu-lhe igual aos dos demais dias. Não olhou para o lado.

Ela reparou nele, claro. Um determinado brilho nos olhos. Ângela Pereira. Camisa desabotoada. Saia pelos joelhos. Quarenta e tal de subtileza e fascínio. Preguiçou o passo e viu Edgar entrar no banco. Ela também lá ia. Tinha recebido umas massas e precisava de depositá-las. Entrou ele primeiro que ela. Ângela fingiu uma dificuldade para poder tropeçar em Edgar. Um braço estendido, a roupa amarfanhada, faça o favor de desculpar, ah! és tu pá, só me falta apareceres na sopa – eis a sequência do acidental encontro. Que não, não leccionava mais, não mais encaminharia os putos para as suas certezas e para as suas incertezas. Agora pinto. Ainda não viste a minha exposição?

II

Edgar gostava de arrumar pequenos papéis por cima dos antigos problemas e objectos do seu escritório. Gostava muito de escrever. Actualmente desassossegava-se numa curiosa lista de prazeres. Só muito depois de se afastar de Ângela pensou que teria que acrescentar à sua inacabada lista os encontros repentinos com as ex-mulheres. Naquele momento apenas apreciou a frescura da sua ex., dissimulando a vontade de a convidar para irem beber um copo. Ângela sempre fora mais expedita. E foi já em frente de um Martini Bianco que a nossa quarentona lhe falou de Sérgio.

Sérgio Pais não andava feliz. Conhecera Ângela num parque de estacionamento. Chorava em silêncio olhando o automóvel parado. Ângela reparara nas lágrimas que saltavam daqueles olhos grandes e azuis. O seu carro estava em frente ao dele. Saiu do carro e convidou-o a tomar um chá no café em frente. Sérgio estendeu a mão esquerda e segurou a mão de Ângela. Estiveram assim trinta segundos sem falarem de absolutamente nada. Depois foram conversar. «Isto foi há três meses e desde então é o meu melhor amigo.»

Alguns dias depois (antes?) da conversa entre o nosso casal, Edgar ouve falar de novo do tal amigo de Ângela. Era vizinho da sua última conquista, Daniela, e pelos vistos andava a inquietar todo o prédio. Que por vezes dormia no jardim, que se passeava pelos corredores, de cuecas, sussurrando poemas de Al Berto e Pessoa, que presenteava as crianças com cantilenas improvisadas e anarcas, enfim, uma data de posturas pouco condizentes. Mais um tolinho para a Ângela tratar, pensou, sorridente, Edgar Pereira.

Recordam-se de vos falar que para o nosso homem, o tempo estava a andar para trás? Pois bem, dois anos e meio após os acontecimentos mencionados, encontrava-se Edgar na sua nova casa bebericando um Gin Tónico quando aparece Ângela. Haviam combinado almoçar uns robalitos grelhados. Ângela ficou estupefacta com o aspecto de Edgar. Eu ainda me apaixono outra vez por este gajo, pensou enquanto lhe disse com sinceridade que lhe parecia óptimo. Edgar sentia-se de facto óptimo. Perguntou pelas filhas e percebeu que nem tudo ia bem.

O maluquinho estava a viver com a ex-mulher e as filhas! Os robalos quase saltaram dos pratos. O cenário de paz absoluta conhecera um revés. Mas o que é que te deu na cabeça? Não deves estar boa! Só ao final do dia se decidiu a conhecer Sérgio. Ângela contara-lhe que o seu namorado estava convencido que estava a rejuvenescer, que houvera um qualquer clic de que não se apercebera e que a partir daí era só saúde. Edgar já andava ensimesmado com o seu próprio estado. Porra, queres ver que os gajos que passam pelas mãos desta gaja ficam todos mais novos? Pronto! Iria visitar as filhas e conhecer o Sérgio. Desculpar a pressa não fazer mal é a alma dos nossos negócios. Ela ainda trabalhava. Directora de revista literária. Tanta coisa que eu tinha a dizer Eu também Por favor aparece mesmo Sim claro que vou disseram os pares de olhos àvidos uns dos outros.

O jantar começou formal e acabou infernal. Sérgio era realmente louco e o factor paternal sobrepôs-se claramente ao factor este gajo parece que tem vinte anos. Que nem pensar, as filhas iam imediatamente para sua casa. Não se discute, quando quiserem apareçam por lá, faço um peixinho delicioso, não é querida?, provocou. Tentava, à sua forma, satisfazer diferentes objectivos com uma só decisão. Ah! Que bem me sinto! Se este gajo se arma em parvo vamos ter merda. Isto numa contracção de maxilar muito característica do nosso «jovem» e que constituía a sua arma de sedução mais eficaz.

Uma semana depois lá estavam os cinco, os ainda adultos e as crianças. O tempo ameaçava chuva pelo que Edgar optou por uma carilada de frango. Agora pode também supor-se que o picante da refeição possa ter ajudado a elevar os calores emocionais. Edgar de camisa azul impecavelmente desarranjada e barbear perfeito, meu deus como este homem está bonito! Sérgio de t-shirt preta larga e de calções, este gajo não bate bem, com este frio... Os dois rebolando pelo chão aos tabefes um no outro. Não houve murros, ou chutos ou mordidelas. Só chapada velha. Seria um código de conduta entre os que sofriam de mal tão generoso?

O que resta desta história é abreviado: Ângela e filhas de malas aviadas para casa de campo dos pais. Haveria outros gajos na vida da bela Ângela Pereira. As filhas cresceriam pujantes e desiquilibradas. Edgar e Sérgio espatifados em antidepressivos e ataques súbitos de paixão adolescente. Era vê-los nas discotecas in a meter paleio com o sexo oposto. Foram anos loucos aqueles. Depois cansaram-se e foram preparar-se para o nascimento, o longo mundo do desejo e dos gestos silenciosos. Nunca se ouviu falar nesta história nos meios de comunicação social. Eu não contei a ninguém! E não conto! Pim.